Introdução
A rápida expansão da inteligência artificial (IA) e a crescente demanda por processamento de dados em larga escala têm levado a um aumento acelerado na construção e operação de centros de dados especializados. Um relatório citado pela BusinessLine aponta que os centros de dados dedicados a IA podem provocar um aumento de até 11 vezes no consumo anual de água até 2028, em comparação com níveis anteriores (ANI, 2025). Esse cenário coloca operadores, formuladores de políticas e investidores diante de desafios significativos de sustentabilidade e segurança hídrica.
No presente artigo, analisamos as causas desse aumento, os principais consumidores de água associados à cadeia de valor da IA — geração de eletricidade, refrigeração e produção de semicondutores — e discutimos estratégias técnicas, operacionais e regulatórias para mitigar riscos. O conteúdo é direcionado a profissionais e especialistas que buscam uma visão aprofundada sobre os impactos e soluções relativas ao consumo de água em centros de dados de IA.
Contexto e dados principais
Segundo a reportagem, o relatório da Morgan Stanley ressalta que a adoção maciça de modelos de linguagem e aplicações inteligentes, bem como a necessidade de treinamento e inferência em larga escala, elevam substancialmente a demanda por computação intensiva. Essa demanda, por sua vez, se traduz em maiores necessidades de energia e de sistemas de refrigeração, cujo funcionamento implica consumo direto e indireto de água (ANI, 2025).
A expressão “multiplicação por 11” sintetiza um cenário de alta intensidade hídrica caso a infraestrutura necessária para sustentar a IA não adote medidas de eficiência e gestão de recursos. É fundamental compreender que o consumo de água associado a centros de dados não é uniformemente distribuído: a geração de eletricidade costuma representar a maior parcela do consumo hídrico embutido, seguida por requisitos de refrigeração e pelas etapas de fabricação de semicondutores, que demandam grandes volumes de água de alta qualidade.
Principais motores do aumento do consumo de água
Geração de eletricidade: Em muitas regiões, a matriz elétrica ainda depende fortemente de fontes térmicas (carvão, gás natural, ciclo combinado) que utilizam água para resfriamento em usinas. A eletricidade consumida pelos centros de dados transfere, assim, uma carga hídrica indireta significativa ao sistema energético. Mesmo com maior penetração de energias renováveis, a infraestrutura térmica de base e picos de demanda podem manter a pressão sobre recursos hídricos.
Sistemas de refrigeração dos centros de dados: A refrigeração é crítica para garantir operação contínua e confiável dos equipamentos de IA. Métodos tradicionais, como resfriamento evaporativo e torres de resfriamento, consomem água diretamente. À medida que os racks e aceleradores (GPUs, TPUs) aumentam densidade térmica, a necessidade de resfriamento também cresce, elevando o consumo hídrico, especialmente quando soluções eficientes não são adotadas.
Produção de semicondutores: A fabricação de chips de alto desempenho requer volumes consideráveis de água ultrapura (ultrapure water) para processos de limpeza e deposição. A expansão global da demanda por chips especializados para IA expande a cadeia de fabricação e, consequentemente, a pegada hídrica associada à indústria de semicondutores.
Operações auxiliares e manutenção: Além dos itens acima, atividades de manutenção, limpeza e processos auxiliares em data centers agregam consumo de água, assim como sistemas de combate a incêndio e reposição em circuitos fechados que, se não gerenciados adequadamente, podem contribuir para perdas.
Impactos regionais e riscos para a segurança hídrica
A intensidade do impacto hídrico varia por região, em função da matriz energética, disponibilidade de água, clima e políticas locais. Regiões áridas e semiáridas correm risco elevado, pois a implantação de grandes centros de dados pode competir diretamente com usos urbanos, agrícolas e ambientais.
Risco de conflito entre setores: A instalação de centros de dados de alta demanda hídrica em bacias já estressadas pode provocar tensões entre usos, afetando abastecimento doméstico, irrigação e serviços ecossistêmicos. A existência de sazonalidade no recurso hídrico agrava a vulnerabilidade.
Vulnerabilidade a eventos climáticos extremos: Ondas de calor e secas prolongadas reduzem a disponibilidade hídrica e ao mesmo tempo elevam a necessidade de refrigeração, criando um ciclo de retroalimentação de risco operacional e ambiental.
Risco reputacional e regulatório: Empresas que não gerenciam adequadamente o impacto hídrico podem enfrentar reação de stakeholders, sanções regulatórias, restrições de licenciamento e dificuldades de financiamento, especialmente à medida que investidores adotam critérios ESG (ambientais, sociais e de governança) mais rígidos.
Estratégias tecnológicas para mitigação do consumo de água
A resposta técnica para reduzir o consumo de água em centros de dados deve ser multifacetada e escalonada, combinando eficiência energética, mudança de tecnologia de refrigeração, integração de fontes de energia com menor intensidade hídrica e gestão de ciclo da água.
Eficiência energética e otimização operacional: Reduzir a demanda elétrica reduz indiretamente o consumo de água associado à geração. Medidas incluem modernização de equipamentos, otimização de layout de racks, uso de infraestrutura definida por software para balanceamento de cargas e práticas de operação que minimizem picos de consumo.
Migração para refrigeração por ar de alta eficiência e estratégias híbridas: Em locais onde o clima permite, a priorização de refrigeração por ar com projetos de fluxo de ar mais eficientes e free cooling pode reduzir significativamente o uso de água. Estratégias híbridas que combinam air-side economizers com soluções líquidas em pontos críticos também podem ser adotadas para balancear eficiência e consumo hídrico.
Refrigeração líquida direta e resfriamento por imersão: Tecnologias como liquid cooling direto ao chip e resfriamento por imersão eliminam ou reduzam substancialmente a necessidade de trocas evaporativas. Embora não eliminem o consumo hídrico associado à geração elétrica, reduzem a dependência de torres de resfriamento e o consumo direto de água no local.
Sistemas fechados e recuperação de água: Projetos que empregam sistemas de circuito fechado, tratamento e reúso de água reduz o volume de captação de fontes naturais. A reciclagem de condensados e o uso de águas recicladas tratadas (gray water) para circuitos de refrigeração não críticos podem aliviar a pressão sobre recursos potáveis.
Desalinação integrada com fontes renováveis: Em localidades costeiras, a dessalinização com energia renovável pode ser considerada, embora envolva custos e impactos próprios. A avaliação de custo-benefício deve contemplar consumo energético, pegada de carbono e viabilidade local.
Integração com matriz energética com baixa intensidade hídrica: Aumentar a participação de fontes renováveis (solar, eólica) e de sistemas de armazenamento que minimizem a necessidade de usinas térmicas de reserva reduz a “pegada hídrica embutida” da energia consumida pelos data centers.
Práticas de governança e gestão hídrica
Avaliação de risco hídrico: Operadores de centros de dados devem realizar avaliações detalhadas de risco hídrico no nível de bacias hidrográficas, incluindo análise de disponibilidade sazonal, planos de contingência e cenários climáticos futuros.
Metas e monitoramento de consumo: Estabelecer metas claras de redução de consumo de água, com métricas padronizadas e monitoramento contínuo, é essencial. Relatórios transparentes ajudam na governança e no relacionamento com stakeholders.
Política de abastecimento sustentável: Priorizar fontes alternativas (reúso, efluentes tratados, água de processo reciclada) e acordos com fornecedores de energia com baixa intensidade hídrica reduz o impacto agregado.
Planejamento territorial e licenciamento: Autoridades locais devem incorporar avaliação hídrica e limitações de recurso nos processos de licenciamento de novos empreendimentos, considerando não apenas consumo pontual, mas efeitos cumulativos na bacia hidrográfica.
Implicações econômicas e para investidores
Custo total de propriedade: A gestão hídrica impacta o custo operacional dos centros de dados. Soluções de baixo consumo hídrico podem ter CAPEX mais alto inicialmente, mas apresentar OPEX menor e menor risco regulatório e reputacional no médio e longo prazo.
Avaliação de risco para investidores: A possibilidade de elevação expressiva do consumo de água é um fator de risco relevante em avaliações de investimento, especialmente em mercados onde recursos hídricos são escassos. Investidores institucionais devem incorporar análise de risco hídrico em due diligence e exigir planos de mitigação por parte das empresas alvo.
Prêmios e penalidades regulatórias: Incentivos para projetos com baixa pegada hídrica e tarifas diferenciadas para uso de água podem influenciar decisões de localização e tecnologia. Da mesma forma, restrições e impostos sobre uso intensivo de água podem afetar a viabilidade econômica.
Recomendações práticas para operadores, reguladores e investidores
Para operadores de centros de dados:
– Realizar auditorias hídricas e mapear a pegada hídrica direta e indireta.
– Priorizar medidas de eficiência energética e avaliar soluções de refrigeração com menor consumo de água, como resfriamento por imersão quando aplicável.
– Implementar reúso de água e sistemas de tratamento no local para reduzir captação de fontes naturais.
– Adotar transparência em relatórios ESG e metas de redução hídrica.
Para formuladores de políticas:
– Exigir avaliação de impacto hídrico em processos de licenciamento e considerar limites cumulativos por bacia.
– Estabelecer incentivos para tecnologias de refrigeração com baixo uso de água e para integração de energias renováveis.
– Promover normas e protocolos de medição e reporte de consumo hídrico em data centers.
Para investidores:
– Incluir análise de risco hídrico nas diligências e exigir planos de mitigação robustos.
– Preferir ativos com estratégias claras de redução de consumo de água e integração com matrizes energéticas sustentáveis.
– Apoiar financiamento de tecnologias e infraestrutura de reúso que diminuam riscos de longo prazo.
Desafios e barreiras à implementação de soluções
Custo inicial e escalabilidade: Tecnologias como resfriamento por imersão podem exigir investimentos significativos e mudanças no design de instalações e equipamentos. A interoperabilidade com hardware existente e padrões industriais é um desafio.
Regulação e incentivos insuficientes: Em muitas jurisdições, políticas públicas ainda não exigem ou incentivam suficientemente práticas de gestão hídrica em centros de dados, o que retarda adoção de soluções.
Complexidade da cadeia de suprimentos: Reduzir a pegada hídrica da produção de semicondutores exige coordenação com fabricantes, fornecedores de energia e políticas industriais, criando um desafio de governança multi-stakeholder.
Dados e métricas: A falta de métricas padronizadas para quantificar o consumo de água embutido na energia e em componentes dificulta comparações e planejamento estratégico.
Estudos de caso e tendências de mercado
Embora o presente artigo se baseie no alerta do relatório citado pela BusinessLine, já existem sinais de mercado indicando a busca por alternativas menos intensivas em água. Grandes operadores globais de centros de dados incorporam metas de eficiência energética e iniciativas de redução de uso de água em seus relatórios ESG. Investimentos em P&D para novas técnicas de refrigeração e parcerias com fornecedores de energia renovável são tendências observadas em vários mercados maduros.
A transição para arquiteturas de computação distribuída e edge computing também tem potencial para redistribuir cargas e reduzir concentração de demanda em megacentros de dados localizados em regiões hidroestritamente vulneráveis, embora isso possa trazer outros desafios operacionais.
Conclusão
O alerta de que centros de dados de IA podem elevar o consumo de água em até 11 vezes até 2028, conforme citado pela BusinessLine a partir do relatório da Morgan Stanley, sinaliza a urgência de respostas coordenadas entre indústria, governos e investidores (ANI, 2025). A sustentabilidade da revolução da IA depende não apenas de avanços computacionais, mas também da capacidade de integrar estratégias de eficiência energética, tecnologias de refrigeração de baixo consumo hídrico, reúso de água e planejamento territorial baseado em disponibilidade real de recursos.
A adoção de boas práticas e inovações tecnológicas, combinada com regulação adequada e compromisso financeiro, é imprescindível para mitigar riscos à segurança hídrica, reduzir impactos ambientais e garantir que o crescimento da IA seja compatível com objetivos de desenvolvimento sustentável.
Referências citadas no texto (citação ABNT no corpo do texto): (ANI, 2025).
Fonte: BusinessLine. Reportagem de ANI. AI data centers to drive 11-fold rise in water consumption by 2028: Morgan Stanley. 2025-09-08T03:13:40Z. Disponível em: https://www.thehindubusinessline.com/info-tech/ai-data-centers-to-drive-11-fold-rise-in-water-consumption-by-2028-morgan-stanley/article70024587.ece. Acesso em: 2025-09-08T03:13:40Z.