A reportagem do South China Morning Post, veiculada pelo Yahoo Entertainment, apresenta a avaliação de analistas do grupo de investimentos CLSA de que a China reduziu substancialmente a diferença em desenvolvimento de inteligência artificial em relação aos Estados Unidos, mas ainda enfrenta um atraso de anos na produção de semicondutores de última geração (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025). Este artigo examina, de forma aprofundada e técnica, as razões desse descompasso entre avanços em software e limitações em hardware, as consequências para a cadeia global de tecnologia e as estratégias em curso para mitigar o déficit de capacidade fabril.
Contexto e resumo das conclusões do relatório
O relatório citado indica que, em termos de pesquisa, adoção e implementação de inteligência artificial (IA) — incluindo modelos de linguagem, aplicações em nuvem e soluções industriais — a China registrou ganhos expressivos e vê sua distância em relação aos principais centros de inovação dos Estados Unidos diminuir consideravelmente (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025). Contudo, quando o foco se desloca para semicondutores avançados — nós de processo sub-5 nm, equipamentos de litografia EUV e ecossistemas de fabricação integrados — a China continua em desvantagem técnica e temporal, com um atraso estimado em anos para atingir a paridade tecnológica (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025).
Forças chinesas em inteligência artificial
A força chinesa em IA apoia-se em vários vetores complementares:
– Massa de dados e escala de mercado: o grande volume de dados gerados por usuários e empresas na China acelera o treinamento e a validação de modelos de IA, reduzindo tempos de experimentação e fornecendo vantagem competitiva em aplicações comerciais.
– Infraestrutura de nuvem e adoção empresarial: provedores chineses de nuvem e serviços de IA (por exemplo, Alibaba Cloud, Baidu Cloud, Huawei Cloud) têm ampliado ofertas de modelos pré-treinados, pipelines de MLOps e soluções verticalizadas para setores como finanças, manufatura e saúde.
– Ecossistema de pesquisa e talento: universidades, institutos de pesquisa e empresas privadas incrementaram publicações, patentes e projetos open source; centros como Beijing, Shenzhen e Hangzhou tornaram-se polos de P&D em IA.
– Iniciativas de hardware especializado para IA: desenvolvimento de aceleradores (NPUs, TPUs proprietários) e integração de chips para workloads de inferência e treinamento em nível de datacenter e borda.
Esses fatores permitem à China competir na camada de software e sistemas de IA, reduzindo a dependência de soluções estrangeiras em muitos segmentos, o que sustenta a afirmação do CLSA sobre o fechamento da lacuna em IA (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025).
A natureza do atraso em semicondutores avançados
O atraso em semicondutores de ponta envolve múltiplas dimensões técnicas e comerciais:
– Litografia EUV e equipamentos: a tecnologia de litografia EUV (extreme ultraviolet) é crítica para nós abaixo de 7 nm. Fabricantes líderes, como TSMC e Samsung, dependem de máquinas ASML (Países Baixos) que estão sujeitas a controles de exportação; acesso limitado a essas ferramentas dificulta progressos rápidos por parte de fabricantes chineses.
– Materiais e processo: polysilicon, gases especiais, e processos químicos finos usados em nós avançados dependem de cadeias globais de insumos que têm controles e restrições. A qualificação desses materiais exige grandes investimentos e tempo.
– Design e IP: embora o design de chips e EDA (Electronic Design Automation) tenham avanços na China, as ferramentas de EDA de alto desempenho são lideradas por empresas americanas (Synopsys, Cadence) e dependem de know-how acumulado.
– Integração de ecossistema: avançar em nós de processo exige uma cadeia integrada — equipamentos, materiais, projeto, fabricação, teste e embalagem avançada. Lagunas em qualquer ponto estendem o prazo para a industrialização de chips de ponta.
– Sanções e controles: restrições de exportação impostas pelos EUA e aliados limitam o fornecimento de tecnologias críticas para a China, afetando tanto equipamentos quanto fornecedores de IP e softwares especializados.
Esses elementos ajudam a explicar por que, apesar do progresso em IA, a China continua “anos atrás” na corrida por chips de última geração, conforme observado pelo CLSA (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025).
Causas estruturais do descompasso entre IA e semicondutores
A divergência entre avanços em software (IA) e atrasos em hardware (semicondutores) decorre de diferenças estruturais:
– Barreiras de entrada distintas: desenvolvimento de modelos de IA e produtos de software exige investimentos elevados, mas com ciclos de inovação mais curtos e possibilidade de distribuição digital. Fabricação de semicondutores requer investimentos de capital intensivo (capex) de dezenas de bilhões de dólares por fábrica e ciclos longos de ramp-up.
– Dependência de insumos importados estratégicos: máquinas de litografia, ferramentas de deposição e certos materiais encontram-se concentrados em poucos fornecedores globais, sujeitos a regimes de exportação.
– Estrutura de talento: a formação em ciência da computação e IA é abundante e escalável; engenharia de processo e manufatura avançada demanda experiência prática por décadas e know-how operacional difícil de replicar rapidamente.
– Riscos geopolíticos: controles de tecnologia e sanções impactam sobretudo a capacidade de acesso a equipamentos e softwares críticos para semicondutores, enquanto o software de IA pode evoluir dentro de mercados fechados ou sob regimes de substituição.
Impacto para cadeias de suprimento e segurança nacional
A lacuna em semicondutores avançados tem implicações econômicas e estratégicas:
– Dependência externa: a China continua dependente de foundries externas e de equipamentos estrangeiros para nós de ponta, o que expõe setores críticos a riscos de fornecimento.
– Competitividade industrial: setores intensivos em semicondutores (servidores, smartphones, automação industrial) podem enfrentar limites de performance e custo sem acesso padronizado a chips de ponta.
– Segurança nacional: chips avançados são essenciais para aplicações militares e de inteligência; a incapacidade de fabricar internamente reduz autonomia estratégica.
– Fragmentação tecnológica: a persistência de lacunas pode acelerar a adoção de designs e padrões alternativos, promovendo uma fragmentação entre ecossistemas tecnológicos globais.
Medidas adotadas pela China para reduzir o atraso
O governo e a indústria chinesa têm implementado um conjunto de políticas e investimentos para reduzir o déficit:
– Programas de apoio estatal: subsídios, financiamentos direcionados e criação de fundos estatais para apoiar construção de fabs, P&D em materiais e capacitação.
– Desenvolvimento de capacidades domésticas: ampliando investimentos em empresas como SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation) e em iniciativas de empacotamento e teste avançado.
– Diversificação tecnológica: aposta em arquiteturas alternativas e em aceleração por hardware especializado (NPUs, chips para IA sob medida) para reduzir a necessidade imediata de nós sub-5 nm em determinadas aplicações.
– Parcerias internacionais seletivas: busca por fornecedores alternativos e acordos comerciais que reduzam gargalos de insumos.
Essas medidas refletem uma estratégia de curto e médio prazo para aumentar autonomia e mitigar os efeitos dos controles de exportação (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025).
O papel da indústria privada e de inovações complementares
Além das iniciativas estatais, empresas privadas chinesas têm investido fortemente:
– Aceleradores e IP de inferência: desenvolvimento de chips proprietários otimizados para inferência em 7–16 nm permite que aplicações de IA funcionem com eficiência sem requerer sempre nós de ponta.
– Software-hardware co-design: integração mais estreita entre modelos de IA e arquiteturas de processamento customizadas reduz a dependência por frequente avanço em processos litográficos.
– Avanços em empacotamento e chiplets: tecnologias de embalagem avançada (2.5D, 3D, chiplet) oferecem caminhos para performance comparável com menor dependência de nós extremos, sendo uma área estratégica de investimento.
– Cadeias locais de valor agregado: fortalecimento de fornecedores domésticos de materiais e testes para diminuir vulnerabilidades logísticas.
Essas estratégias colaboram para que a China compense parcialmente o atraso em nós de processo por meio de arquitetura e co-design.
Prognósticos e cenários para os próximos anos
Com base nas tendências atuais e nas avaliações do CLSA, é possível delinear cenários plausíveis:
– Cenário rápido de convergência: caso a China consiga obter progressos significativos em acesso a equipamentos, formar parcerias tecnológicas e acelerar o ramp-up fabril, a convergência em capacidades de fabricação pode ocorrer em um prazo de 5 a 10 anos.
– Cenário de substituição parcial: se restrições persistirem, a China pode focar em soluções heterogêneas (chiplets, empacotamento avançado, NPUs) e alcançar competitividade em aplicações específicas sem dominar nós sub-3 nm.
– Cenário de fragmentação tecnológica: controles prolongados e resposta política internacional podem levar a uma divisão de ecossistemas, com padrões divergentes em IA e semicondutores entre blocos econômicos.
A avaliação do CLSA, conforme reportada, sugere que o atraso em chips é relevante e não será eliminado imediatamente, apesar das capacidades crescentes em IA (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025).
Implicações para empresas, investidores e formuladores de política
Para empresas de tecnologia e investidores:
– Risco e oportunidade: investir em fornecedores de empacotamento, materiais alternativos e aceleradores de IA pode oferecer retornos num cenário de substituição tecnológica.
– Due diligence: avaliar exposição a cadeias de suprimento críticas e planejar contingências diante de restrições de exportação.
Para formuladores de política:
– Priorizar ecossistemas: políticas devem equilibrar apoio a P&D, formação de talentos e desenvolvimento industrial com medidas para atrair investimento privado.
– Cooperação internacional: buscar acordos que reduzam riscos de fragmentação e promovam estabilidade nas cadeias globais, quando possível.
Recomendações estratégicas
Com base na análise, recomenda-se:
– Fortalecer investimentos em empacotamento avançado e chiplets como caminhos intermediários para desempenho competitivo.
– Promover transferência de conhecimento e formação prática em processos de manufatura por meio de parcerias acadêmicas e programas de estágio industrial.
– Incentivar diversidade de fornecedores e estoques estratégicos para mitigar riscos de suprimento.
– Priorizar ecossistemas de software-hardware que maximizem eficiência de modelos de IA em nós disponíveis localmente.
– Considerar cenários regulatórios e de conformidade para reduzir vulnerabilidades legais e comerciais em mercados estrangeiros.
Conclusão
O relato do CLSA, repercutido pelo South China Morning Post, mostra um cenário de avanços contrastantes: a China diminuiu de forma substantiva a distância em inteligência artificial frente aos Estados Unidos, graças a dados, escala de mercado e ecossistemas de software robustos; contudo, permanece com um atraso técnico relevante em semicondutores avançados, cuja superação exige tempo, capital intensivo e superação de restrições tecnológicas e geopolíticas (SOUTH CHINA MORNING POST, 2025). Para atores privados e públicos, a chave será combinar estratégias de curto prazo — onde a China pode explorar seus pontos fortes em IA e arquitetura de sistemas — com planos de longo prazo para desenvolver autonomia industrial em semicondutores, mitigando riscos e aproveitando oportunidades de inovação.
Referência (conforme NBR ABNT 6023:2018):
SOUTH CHINA MORNING POST. China narrows AI development gap with US, but remains behind in advanced chips: CLSA. Yahoo Entertainment, 10 set. 2025. Disponível em: https://finance.yahoo.com/news/china-narrows-ai-development-gap-093000729.html. Acesso em: 10 set. 2025.
Fonte: Yahoo Entertainment. Reportagem de South China Morning Post. China narrows AI development gap with US, but remains behind in advanced chips: CLSA. 2025-09-10T09:30:00Z. Disponível em: https://finance.yahoo.com/news/china-narrows-ai-development-gap-093000729.html. Acesso em: 2025-09-10T09:30:00Z.