Introdução: o desafio do “AI slop” e a promessa do job crafting
A adoção acelerada de ferramentas de inteligência artificial (IA) nas organizações trouxe ganhos de eficiência, mas também um fenômeno preocupante descrito como “AI slop”: resultados imprecisos, pouco confiáveis ou inadequados que emergem do uso descuidado de sistemas de IA. Segundo reportagem recente publicada no Business Insider, um estudo conduzido pela Multiverse indica que a cura para o “AI slop” pode estar em dar poder aos trabalhadores para redesenhar seus próprios papéis em torno das ferramentas de IA — prática conhecida como job crafting (SPIRLET, 2025).
Job crafting refere-se ao ajuste proativo de tarefas, relações e percepções do trabalho pelos próprios colaboradores, de modo a tornar suas atividades mais significativas e eficazes. Quando aplicado conscientemente ao uso de IA, o job crafting combina conhecimento humano, contexto operacional e capacidades da tecnologia, promovendo outputs de maior qualidade e engajamento profissional. Este artigo aprofunda o conceito, apresenta evidências, discute implicações práticas e orientações para líderes, RH e gestores de tecnologia, integrando recomendação de implementação baseada na análise do estudo e na literatura sobre governança de IA e redesign de trabalho (SPIRLET, 2025).
O que é “AI slop” e por que é um problema organizacional
“AI slop” descreve conteúdos e decisões produzidos com a ajuda de IA que apresentam baixa qualidade, falta de confiabilidade ou inadequação ao contexto de uso. Exemplos incluem relatórios automatizados com dados mal interpretados, comunicações ao cliente geradas automaticamente com tom inadequado, e recomendações de processo que ignoram restrições operacionais reais. Esses problemas afetam reputação, eficiência e podem introduzir riscos legais e de compliance.
As causas do “AI slop” quase sempre envolvem interações humanas inadequadas com a tecnologia: prompts mal formulados, falta de verificação humana, desconhecimento das limitações do modelo, ou design organizacional que não integra a IA aos fluxos de trabalho de forma consistente. O estudo da Multiverse indica que, além de treinamento e governança, permitir que os próprios colaboradores redesenhem suas tarefas em torno das ferramentas de IA reduz a ocorrência desses outputs de baixa qualidade (SPIRLET, 2025).
Resumo dos achados do estudo Multiverse
O levantamento reportado por Spirlet aponta dois achados centrais: primeiro, funcionários que praticam job crafting com IA relatam maior engajamento; segundo, esses mesmos funcionários produzem menos “AI slop” (SPIRLET, 2025). Em termos práticos, quando colaboradores reconfiguram suas responsabilidades — selecionando quais tarefas automatizar, que partes manter sob controle humano e como validar outputs — o resultado é uma interação humano-IA mais robusta.
Esses achados têm implicações diretas para políticas de adoção de IA. Em vez de impor scripts fixos ou processos rígidos de uso, organizações que incentivam autonomia construtiva e oferecem estrutura para experimentação controlada tendem a obter resultados superiores. A evidência sugere que o engajamento do trabalhador é um mediador crítico: pessoas engajadas aplicam mais julgamento crítico, verificam resultados e ajustam o uso da IA conforme o contexto.
Por que o job crafting reduz o “AI slop”: mecanismos explicativos
Existem vários mecanismos pelos quais o job crafting contribui para reduzir o “AI slop”:
– Melhor alinhamento contexto-tecnologia: colaboradores conhecem nuances do trabalho que modelos generalistas não captam. Ao redesenhar tarefas, inserem essas nuances no processo de uso da IA, melhorando relevância e precisão.
– Aumento da responsabilidade e revisão crítica: job crafting tende a elevar o sentimento de propriedade sobre resultados, motivando revisão humana e verificação de outputs automáticos.
– Aprendizado prático e iteração: ao experimentar com prompts, fluxos e checkpoints de validação, equipes desenvolvem práticas operacionais que mitigam vieses e erros.
– Melhora na triagem de tarefas: nem toda tarefa se beneficia da automatização. Job crafting ajuda a identificar tarefas adequadas à automação e aquelas que exigem intervenção humana contínua.
Esses fatores combinados promovem resultados mais confiáveis e diminuem a probabilidade de produção de conteúdos que caracterizam o “AI slop” (SPIRLET, 2025).
Implementando job crafting com IA: um roteiro prático
Para que organizações convertam a evidência em prática, propõe-se um roteiro em etapas, integrando áreas de liderança, tecnologia e recursos humanos:
1. Diagnóstico inicial
– Mapear processos e identificar tarefas candidatas à automação ou co-piloto por IA.
– Avaliar risco e criticidade das tarefas (impacto em compliance, clientes, receita).
2. Capacitação e alfabetização em IA
– Oferecer treinamento voltado a uso de ferramentas de IA, limitações de modelos, e técnicas de prompt engineering.
– Priorizar aprendizagem prática com cenários reais do negócio.
3. Estruturar oportunidades de job crafting
– Criar programas formais que permitam aos funcionários propor redesenhos de suas funções, com critérios e métricas claros.
– Definir horizontes de experimento e mecanismos de aprovação ágil.
4. Definir guardrails e governança leve
– Estabelecer políticas de verificação humana, controles de qualidade e escalonamento de erros.
– Adotar métricas de monitoramento de outputs e indicadores de “AI slop”.
5. Iteração e integração
– Documentar rotinas bem-sucedidas e incorporar ao padrão de trabalho.
– Integrar feedback de usuários, clientes e auditorias internas.
6. Reconhecimento e incentivos
– Reconhecer iniciativas de job crafting que gerem redução de erros e aumento de eficiência.
– Vincular resultados a avaliações de desempenho e carreira, quando apropriado.
Esse roteiro busca maximizar a autonomia responsável, reduzindo riscos e institucionalizando aprendizado contínuo.
Políticas de governança e limites do job crafting
Job crafting não exime a organização de responsabilidades de governança. Pelo contrário: autonomia exige estruturas que mitiguem riscos. Elementos essenciais de governança incluem:
– Políticas claras de segurança de dados e privacidade ao usar modelos de IA.
– Regras sobre uso de dados sensíveis e restrições de exportação.
– Auditorias periódicas de qualidade e de vieses nos outputs da IA.
– Roteiros de resposta a incidentes em que a ferramenta gere conteúdo incorreto ou prejudicial.
Sem esses guardrails, permissividade pode aumentar exposição a erros sistêmicos. Ao mesmo tempo, governança excessivamente centralizada pode sufocar a experimentação necessária para que o job crafting prospere. O equilíbrio entre controle e autonomia é, portanto, estratégico e exigirá envolvimento do conselho, compliance, TI e RH (SPIRLET, 2025).
Casos práticos e exemplos aplicáveis
Embora o estudo da Multiverse apresente evidências quantitativas sobre engajamento e qualidade, a aplicação prática pode variar por setor. Exemplos ilustrativos:
– Atendimento ao cliente: agentes redesenham scripts, usando IA para rascunhos de respostas que são editados automaticamente antes do envio. Checkpoints de revisão humana garantem tom e conformidade.
– Marketing: equipes utilizam IA para gerar ideias iniciais de campanha; profissionais ajustam, contextualizam e validam antes da publicação, reduzindo conteúdo genérico.
– Finanças: analistas usam modelos para identificar padrões e gerar relatórios preliminares; a análise final é feita por especialistas que incorporam contexto regulatório e juízo profissional.
– Jurídico e compliance: IA produz resumos e rascunhos, mas cláusulas críticas são sempre revisadas por advogados, com matrizes de risco definindo níveis de automatização aceitáveis.
Nesses cenários, o job crafting se manifesta como escolha ativa sobre o que automatizar, como verificar e como manter a qualidade.
Medindo resultados: métricas para avaliar impacto
Para validar a eficácia do job crafting com IA, recomenda-se monitorar indicadores como:
– Taxa de ocorrências de erro ou retrabalho atribuível a outputs de IA.
– Tempo médio de execução de tarefas antes e depois do redesenho.
– Índices de engajamento e satisfação do colaborador (pesquisas internas).
– Qualidade percebida pelos clientes (NPS, reclamações).
– Adoção efetiva de práticas de verificação humana e conformidade com guardrails.
Pesquisa e coleta de dados contínuas permitem calibrar o programa e demonstrar ROI, facilitando suporte executivo e alocação de recursos.
Riscos, vieses e considerações éticas
A integração de IA ao trabalho e o incentivo ao job crafting levantam questões éticas e de justiça:
– Distribuição desigual de benefícios: sem cuidado, colaboradores com mais acesso a capacitação podem ser favorecidos, aumentando desigualdades internas.
– Automatização indevida: decisões para automatizar tarefas críticas podem comprometer prudência se baseadas apenas em ganhos de eficiência.
– Vieses e discriminação: modelos de IA podem reproduzir vieses; processos de job crafting devem incluir verificação de equidade.
– Privacidade de dados: uso inadequado de dados sensíveis em prompts pode gerar vazamentos ou violações de regulamentação.
Portanto, qualquer iniciativa deve incorporar princípios de equidade, transparência e responsabilidade.
Papel do RH e da liderança na promoção do job crafting com IA
Recursos Humanos e liderança exercem papéis complementares:
– RH: desenha programas de capacitação, estrutura planos de carreira que valorizem habilidades de IA, cria mecanismos formais de job crafting e assegura avaliação justa.
– Liderança: define prioridades estratégicas, aloca recursos, modela comportamento de verificação e reconhece inovações que preservem qualidade.
– TI e segurança: provê infraestrutura confiável e aplica políticas de acesso e proteção de dados.
– Compliance: integra requisitos regulatórios ao desenho de workflows com IA.
Um esforço coordenado entre essas áreas é necessário para transformar experimentos locais em práticas organizacionais escaláveis.
Recomendações práticas para gestores
Gestores que desejam reduzir o “AI slop” e beneficiar-se do job crafting podem começar com ações concretas:
– Promover pilotos com grupos pequenos e medir resultados antes de escalar.
– Criar espaços seguros para experimentação, onde erros sejam aprendizados documentados.
– Fornecer templates de prompts, checklists de revisão e critérios de aceitação dos outputs.
– Encorajar documentação de rotinas e lições aprendidas para replicação.
– Integrar métricas de qualidade aos objetivos do time, não apenas indicadores de velocidade.
Essas medidas simplificam a adoção e tornam visíveis os ganhos de qualidade e engajamento relatados pelo estudo (SPIRLET, 2025).
Conclusão: autonomia informada como antídoto para “AI slop”
A partir das evidências trazidas pelo estudo da Multiverse, reportado por Spirlet no Business Insider, fica claro que a solução para os problemas decorrentes do uso inadequado de IA não passa apenas por tecnologia ou controles centralizados. Trata-se de empoderar colaboradores para redesenhar suas funções de modo que tecnologia e julgamento humano se completem (SPIRLET, 2025).
O job crafting com IA — estruturado, monitorado e suportado por governança adequada — produz maior engajamento e reduz a probabilidade de geração de conteúdos de baixa qualidade. Para líderes e profissionais de RH, o desafio é criar condições para que essa autonomia responsável floresça: oferecer capacitação, estabelecer guardrails, medir resultados e recompensar práticas que preservem qualidade e integridade.
Adotar essa abordagem exige investimentos iniciais em formação e governança, mas tende a gerar retornos substanciais em qualidade operacional, satisfação dos colaboradores e mitigação de riscos associados à IA. A prática deliberada do job crafting, alinhada a políticas de responsabilidade tecnológica, constitui uma estratégia pragmática para transformar ferramentas de IA em co-pilotos confiáveis, e não fontes de “slop”.
Fonte: Business Insider. Reportagem de Thibault Spirlet. The secret to avoiding ‘AI slop’ — let workers ‘job craft’ their own roles around AI tools, researchers say. 2025-11-30T10:32:39Z. Disponível em: https://www.businessinsider.com/the-secret-to-avoiding-ai-slop-let-workers-job-craft-2025-10. Acesso em: 2025-11-30T10:32:39Z.







