Nova York proíbe precificação algorítmica de aluguéis: implicações legais e mercado

Nova lei de Nova York veta o uso de softwares com IA para fixar preços de aluguel, marcando a primeira proibição estadual contra precificação algorítmica por proprietários. Esta análise explora os impactos jurídicos, econômicos e tecnológicos da medida, oferecendo orientações para locadores, empresas de proptech, reguladores e advogados que lidam com precificação algorítmica, compliance e proteção ao consumidor. Palavras-chave: precificação algorítmica, inteligência artificial, aluguel, Nova York, proibição, compliance.

Introdução: a lei que altera o cenário da precificação de aluguéis

Na quinta-feira em que a governadora Kathy Hochul sancionou a nova legislação, o Estado de Nova York tornou-se o primeiro estado norte-americano a proibir explicitamente o uso de softwares projetados para fixar preços de aluguel ao serem empregados por proprietários e administradores de imóveis (WELLE, 2025). A medida ocorre em um contexto crescente de preocupação pública e regulatória com práticas de precificação algorítmica que podem facilitar condutas anticoncorrenciais e agravar a crise habitacional em centros urbanos.

A proibição estadual sucede uma série de iniciativas em nível municipal que já restringiram o uso de algoritmos por agentes do mercado imobiliário, e representa um marco na interseção entre direito concorrencial, proteção ao consumidor e regulação de inteligência artificial (WELLE, 2025). Este texto analisa, de forma detalhada e técnica, os fundamentos da nova lei, os riscos associados à precificação algorítmica, os possíveis desdobramentos legais e práticos, e recomenda medidas de conformidade.

Contexto e motivação da regulamentação

A adoção de ferramentas baseadas em inteligência artificial e machine learning para definição dinâmica de preços — práticas conhecidas como precificação algorítmica — expandiu-se rapidamente no setor imobiliário. Plataformas e softwares permitem que locadores ajustem valores de aluguéis com base em variáveis em tempo real, incluindo taxas de vacância, histórico de preços, demanda e até padrões de comportamento dos inquilinos. Esse ambiente tecnológico potencializa eficiência, mas também pode facilitar coordenação implícita entre oferentes, elevando preços de forma sistemática.

As autoridades públicas vêm identificando riscos de colusão facilitada por algoritmos, assim como a possibilidade de discriminação automatizada e opacidade nas decisões que impactam o direito fundamental à moradia. Em razão desses riscos, Nova York optou por uma intervenção normativa direta, proibindo que proprietários utilizem software para “fixar” preços de aluguel, com o objetivo de preservar concorrência e proteger locatários vulneráveis (WELLE, 2025).

O que a lei proíbe — alcance e definições

A norma sancionada estabelece a proibição do uso por locadores de softwares destinados a determinar ou ajustar automaticamente preços de aluguel com base em parâmetros externos que permitam práticas de coordenação ou resultem em aumento sistemático de valores. A redação inclui conceitos-chave como tecnologia baseada em algoritmos, definição automática de preços e ferramentas que possam facilitar price fixing.

Do ponto de vista jurídico, a definição de “fixação de preços” abrange tanto acordos explícitos entre agentes quanto práticas que, de forma objetiva, conduzam a resultados equivalentes à concertação, por meio de mecanismos algorítmicos. A lei, portanto, foca no efeito prático da tecnologia — a elevação artificial e coordenada de aluguéis — mais do que em condenar o uso de automação em si (WELLE, 2025).

Implicações para proprietários e empresas de tecnologia

A proibição impõe desafios imediatos a dois grupos principais: locadores/proprietários e fornecedores de software (proptechs). Para proprietários que já utilizam ferramentas automáticas, a lei exige revisão de práticas de pricing e, possivelmente, a substituição por processos que mantenham controle humano decisório substancial. Para empresas de tecnologia, a mudança demanda adaptação de produtos — por exemplo, oferecer módulos que apenas sugerem parâmetros e exigem aprovação manual documentada pelo usuário final.

Aspectos práticos de conformidade incluem:
– Auditoria de sistemas de precificação para identificar funcionalidades que automatizam ajustes sem supervisão adequada.
– Registro e documentação de decisões de preço tomadas com base em recomendações algorítmicas.
– Implementação de controles que assegurem intervenção humana significativa e rastreabilidade de alterações.
– Revisão de contratos com fornecedores para transferência de responsabilidade e garantias de conformidade.

Além disso, fornecedores que comercializam modelos preditivos para diversos clientes devem avaliar risco de que suas ferramentas, ao replicarem sinais de mercado, fomentem convergência de preços resultando em efeitos anticompetitivos. A responsabilidade por tal efeito pode envolver tanto fornecedores quanto usuários, dependendo da arquitetura do software e do grau de autonomia da ferramenta (WELLE, 2025).

Impactos econômicos e no mercado de aluguel

A proibição pode ter efeitos econômicos variados. De um lado, reduz a probabilidade de aumentos de preços coordenados e protege consumidores contra práticas que elevem o custo do aluguel sem base competitiva. Por outro lado, limita a difusão de ferramentas que poderiam otimizar ocupação e melhorar transparência de mercado.

Para mercados com elevada demanda e oferta restrita, a ausência de mecanismos automáticos bem calibrados pode traduzir-se em menor eficiência de alocação de estoque habitacional. Porém, a legislação parece priorizar mitigação de riscos de collusion e proteção social em um setor sensível, optando por um limite à automação que promova supervisão humana e salvaguardas antidiscriminatórias.

A avaliação do impacto econômico exigirá acompanhamento empírico: indicadores como variação média de aluguel, taxa de vacância, tempo médio de oferta e padrões de migração de locatários devem ser monitorados por autoridades estaduais e pesquisadores independentes.

Riscos concorrenciais e jurídico-antitruste

A principal justificativa da proibição encontra respaldo em preocupações antitruste. Algoritmos que ajustam preços com base em sinais de mercado podem facilitar a formação de padrões de preço estáveis sem comunicação direta entre concorrentes — fenômeno chamado colusão algorítmica. Jurisprudência e doutrina antitruste vêm enfrentando a dificuldade de provar intenção e acordo em casos envolvendo tecnologia. Nesse contexto, a norma de Nova York atua preventivamente ao restringir o uso dessas ferramentas por agentes que podem se beneficiar de coordenação oligopolística dissimulada (WELLE, 2025).

A defesa contra eventuais contestações judiciais por parte de proprietários ou empresas de tecnologia poderá girar em torno de argumentos constitucionais (por exemplo, alegações de excesso regulatório) e de demonstração de que a proibição Interfere em práticas lícitas de gestão de ativos. Do ponto de vista regulatório, a defesa do Estado deverá basear-se no princípio da proteção ao consumidor e no dever de prevenir danos concorrenciais sistêmicos.

Desafios de fiscalização e aplicação

A eficácia da lei dependerá, em grande medida, da capacidade de supervisão e aplicação por órgãos estatais. Identificar o uso de algoritmos para fixação de preços implica acesso a logs, modelos e dados operacionais de sistemas privados. Questões práticas incluem:
– Necessidade de poder de requisição de informações a empresas;
– Competências técnicas para auditar modelos e avaliar se uma ferramenta promove price fixing;
– Proteção de propriedade intelectual das empresas sem prejudicar a investigação.

A formulação de procedimentos de auditoria e de cooperação com agências federais e instituições acadêmicas será essencial. Ferramentas de auditoria independente, frameworks de explicabilidade (explainable AI) e regras de transparência podem facilitar a fiscalização e reduzir custos de enforcement.

Aspectos de proteção de dados e vieses automatizados

Além do foco concorrencial, o uso de IA na precificação pode engendrar discriminação e violações de privacidade. Modelos que incorporam variáveis correlacionadas com raça, renda ou outras características sensíveis podem produzir resultados discriminatórios, ainda que indesejados. A proibição pode ser vista também como uma medida preventiva contra práticas que aumentem desigualdades no acesso à moradia.

Recomenda-se que políticas complementares abordem requisitos de privacidade e mitigação de viés: avaliação de impacto de algoritmos, anonimização de bases de dados e restrições ao uso de variáveis socioeconômicas sensíveis nos modelos de precificação.

Comparação com iniciativas em outras jurisdições

Cidades e estados fora de Nova York vêm testando restrições locais ao uso de algoritmos em mercados críticos. Legislaturas municipais em alguns centros urbanos já aprovaram medidas que regulam precificação e transparência em plataformas digitais, e a nova lei estadual representa um movimento de escala maior. Internationalmente, há propostas e normas emergentes sobre IA e antidiscriminação que podem servir de referência para aprimoramento legal e operacional.

A experiência comparada sugere que proibições isoladas podem ser eficazes em reduzir práticas danosas, mas funcionam melhor quando articuladas com regimes claros de auditoria, sanções proporcionais e diretrizes técnicas para conformidade.

Possíveis contestações jurídicas e cenário de litígios

É plausível prever ações judiciais por parte de grupos econômicos afetados, alegando inconstitucionalidade ou abuso regulatório. Questões jurídicas prováveis incluem:
– Competência legislativa do Estado para regular práticas econômicas ligadas a tecnologia;
– Interpretação da proibição quanto ao que configura “uso do software” versus “assistência de tecnologia”;
– Limites entre sugestões automatizadas (indicadores) e decisões automatizadas (ajuste automático de preços).

Tribunais poderão precisar decidir sobre conceitos técnicos: por exemplo, se um sistema que recomenda preços, mas depende de validação humana, configura prática proibida. Decisões judiciais provavelmente demandarão perícias técnicas e instruções claras sobre prova de efeitos anticompetitivos.

Recomendações práticas para conformidade e mitigação de riscos

Diante da nova legislação, recomenda-se que locadores, administradoras de imóveis e empresas de tecnologia adotem medidas imediatas e estruturais:

Ações imediatas
– Suspender funcionalidades que efetuem ajustes automáticos de preço sem registro de aprovação humana.
– Realizar inventário de softwares de precificação usados e mapear fluxos decisórios.
– Consultar assessoria jurídica para revisar contratos e políticas de uso.

Medidas estruturais
– Implementar registros (logs) que documentem recomendações de preço e aprovações humanas.
– Desenvolver políticas de governança de IA que incluam avaliação de impacto, mitigação de vieses e requisitos de explicabilidade.
– Capacitar equipes jurídicas e de compliance para avaliar riscos antitruste.
– Estabelecer acordos operacionais com fornecedores que clarifiquem responsabilidades e garantam transparência técnica para auditorias.

Interação com reguladores
– Cooperar com processos de auditoria e disponibilizar informações essenciais sob proteção apropriada.
– Buscar orientação regulatória quando existirem dúvidas interpretativas sobre funcionalidades de software.

Implicações para o desenvolvimento de tecnologia e inovação

Regulação preventiva não precisa sufocar inovação. Ela pode, ao contrário, estimular o desenvolvimento de soluções que priorizem transparência, controle humano e fairness. Mercados de tecnologia podem se adaptar criando produtos que ofereçam:
– Módulos de recomendação com controles de aprovação humana;
– Ferramentas de auditoria embarcadas que gerem relatórios de conformidade;
– Modelos que explicitamente excluam variáveis sensíveis e que possam ser auditados por terceiros.

Empresas de proptech que anteciparem requisitos regulatórios para IA ganharão vantagem competitiva, ao oferecer soluções compatíveis com normativas emergentes e reduzir risco legal para clientes.

Consequências sociais e políticas públicas

A medida de Nova York realça o papel do Estado na proteção do direito à moradia frente a externalidades tecnológicas. Ao limitar mecanismos que possam inflacionar preços de aluguel de forma coordenada, a lei busca equilibrar inovação e equidade social. Em longo prazo, é esperado que a regulação incentive políticas complementares, como subsídios habitacionais, ampliação da oferta residencial e uso de dados públicos para monitoramento de mercado.

Também é provável que a norma incentive debates legislativos em outros estados e a elaboração de diretrizes nacionais ou federais sobre IA aplicada a mercados sensíveis.

Conclusão: equilíbrio entre tecnologia, concorrência e direitos sociais

A proibição estadual em Nova York de softwares que possibilitam a fixação algorítmica de preços de aluguel representa um marco regulatório relevante na governança da IA aplicada ao mercado imobiliário (WELLE, 2025). A iniciativa equilibra preocupações antitruste, proteção ao consumidor e mitigação de vieses automatizados, ao mesmo tempo que impõe desafios práticos de fiscalização e conformidade.

Para gestores, advogados e empresas de tecnologia, o caminho passa por auditoria, documentação, governança de algoritmos e diálogo proativo com reguladores. Para formuladores de políticas, a experiência nova-iorquina aporta lições sobre a necessidade de combinar proibições pontuais com mecanismos robustos de transparência e avaliação técnica.

A evolução jurisprudencial e regulatória nos próximos meses será decisiva para estabelecer parâmetros claros sobre o que constitui fixação algorítmica e sobre os limites aceitáveis da automação em mercados essenciais. Cabe ao setor privado adaptar-se com responsabilidade, garantindo que inovações tecnológicas não comprometam princípios de concorrência e o direito à moradia.

Referências e citações (norma ABNT)
No corpo do texto foram utilizadas informações da reportagem de Elissa Welle, publicada no The Verge (WELLE, 2025). Exemplos de citação no formato ABNT foram inseridos ao longo do texto como (WELLE, 2025).

Referência completa em formato ABNT:
WELLE, Elissa. New York bans AI-enabled rent price fixing. The Verge, 16 out. 2025. Disponível em: https://www.theverge.com/news/801205/new-york-rent-price-fixing-ban-software. Acesso em: 16 out. 2025.
Fonte: The Verge. Reportagem de Elissa Welle. New York bans AI-enabled rent price fixing. 2025-10-16T21:24:52Z. Disponível em: https://www.theverge.com/news/801205/new-york-rent-price-fixing-ban-software. Acesso em: 2025-10-16T21:24:52Z.

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