Soberania e governança de IA: lições da Cherokee Nation para políticas tribais e ética em IA

Neste artigo analítico, "Soberania e governança de IA: lições da Cherokee Nation para políticas tribais e ética em IA", exploramos a abordagem da Cherokee Nation à governança de IA, com foco em soberania tribal, proteção de dados, ética em IA e retorno sobre investimento cultural. A partir das observações de Paula Starr, CIO da Cherokee Nation, e da reportagem de Ron Schmelzer (Forbes), apresentamos recomendações práticas para governos soberanos, organizações indígenas e formuladores de políticas interessados em políticas de IA responsáveis e em segurança jurídica e cultural.

Introdução

A emergência das tecnologias de inteligência artificial (IA) elevou questões complexas sobre governança, responsabilidade e impacto social. Para governos e organizações, avaliar a adoção de IA tradicionalmente tem significado analisar custos, eficiência e retorno financeiro. No entanto, para governos tribais soberanos, como a Cherokee Nation, a avaliação deve incorporar dimensões culturais, legais e existenciais que reconfiguram o conceito de retorno sobre investimento (ROI) e, por consequência, a própria governança de IA (SCHMELZER, 2025). Este artigo apresenta uma análise aprofundada da posição assumida pela Cherokee Nation, do papel de sua Chief Information Officer Paula Starr e das implicações práticas para políticas públicas, proteção de dados e ética em IA.

Contexto: por que a governança de IA importa para nações soberanas

A governança de IA envolve regras, processos e práticas que determinam como sistemas de IA são desenvolvidos, implementados e monitorados. Para nações soberanas, especialmente povos indígenas, essas decisões não são apenas técnicas; tocam direitos coletivos, autodeterminação, e preservação cultural. A soberania tribal implica competência jurídica e autonomia para regular assuntos internos, incluindo o uso de tecnologia e gestão de dados da população tribal. Assim, qualquer estratégia de governança de IA deve ser sensível às normas culturais, ao arcabouço legal próprio do povo e às possíveis consequências socioculturais.

A Cherokee Nation, como exemplo citado na reportagem de Ron Schmelzer para a Forbes, demonstra um enfoque em que o ROI não é puramente financeiro, mas incorpora valores interculturais e jurídicos (SCHMELZER, 2025). Essa perspectiva amplia o entendimento convencional de valor tecnológico e propõe métricas mais holísticas para avaliar projetos de IA.

Entendendo soberania tribal, dados e segurança

Soberania tribal diz respeito à capacidade de um povo governar-se, manter instituições próprias e gerir recursos, inclusive dados. No contexto da IA, a soberania de dados passa a ser um aspecto central: quem controla os dados, como são coletados, armazenados, compartilhados e utilizados para treinar modelos? Questões de propriedade intelectual, consentimento informado coletivo e a preservação de conhecimentos tradicionais tornam-se cruciais.

A proteção de dados em contextos tribais exige políticas que reconheçam o caráter coletivo de muitos dados culturais e a necessidade de salvaguardas contra apropriação indevida. Isso demanda estruturas legais internas, acordos contratuais robustos e capacidade técnica para monitorar o ciclo de vida dos dados.

Perspectiva de Paula Starr e implicações práticas

Paula Starr, Chief Information Officer da Cherokee Nation, oferece uma perspectiva singular sobre IA: “O retorno sobre investimento não é puramente financeiro; é cultural, legal e existencial” (STARR apud SCHMELZER, 2025). Essa afirmação, reportada por Ron Schmelzer, sintetiza a premissa de que tecnologias emergentes devem ser avaliadas por sua capacidade de proteger a continuidade cultural, fortalecer direitos jurídicos e garantir a sobrevivência política do povo.

Do ponto de vista prático, essa visão implica:

– Avaliar projetos de IA segundo critérios de impacto cultural e legal, não apenas eficiência operacional.
– Desenvolver políticas de consentimento que reconheçam decisões coletivas e representação apropriada.
– Investir em capacidade técnica própria para evitar dependência de fornecedores externos que possam não respeitar normas tribais.
– Estabelecer mecanismos de auditoria e transparência para modelos de IA que afetem serviços públicos, saúde e educação.

A abordagem de Shawn Starr (na reportagem mencionada) ressalta a necessidade de integrar especialistas jurídicos, líderes culturais e técnicos de TI no desenho de políticas de IA, garantindo que as decisões reflitam prioridades comunitárias (SCHMELZER, 2025).

Elementos-chave de uma governança de IA soberana

A partir da análise da Cherokee Nation e de práticas emergentes, é possível identificar elementos essenciais para uma governança de IA que respeite a soberania tribal:

1. Marco jurídico próprio: Leis e regulamentos internos que definam propriedade de dados, consentimento, usos permitidos e sanções por violação.
2. Políticas de dados coletivos: Diretrizes que reconheçam tipos de dados sensíveis (ex.: saberes tradicionais, práticas cerimoniais) como protegidos por direitos coletivos.
3. Procedimentos de avaliação de impacto cultural: Métodos formais para medir efeitos de sistemas de IA sobre identidade, língua e práticas comunitárias.
4. Transparência e explicabilidade: Exigência de documentação técnica e auditorias independentes para algoritmos que influenciem decisões públicas.
5. Capacitação técnica e governança: Investimento em treinamento, infraestrutura e políticas de contratação que privilegiem parceiros alinhados com a soberania tribal.
6. Acordos contratuais claros: Cláusulas contratuais que garantam controle sobre dados, uso restrito e retorno de benefícios tecnológicos para a comunidade.

Esses elementos compõem uma arquitetura que articula soberania, ética em IA e proteção legal, contribuindo para um modelo de governança replicável por outras nações soberanas.

Impactos legais e regulatórios

A integração de IA em serviços públicos e privados levanta questões regulatórias complexas. Para tribos soberanas, existem camadas de jurisdição: federal, estadual e tribal. A governança de IA deve navegar esse ambiente e assegurar que direitos tribais não sejam erodidos por legislações externas ou por práticas comerciais.

Aspectos a considerar:

– Compatibilização normativa: As políticas tribais de IA precisam ser desenhadas para coexistir com regulamentações federais e estaduais sem renunciar à autonomia.
– Jurisdição sobre dados: Estabelecer controle jurisdicional sobre armazenamento e processamento de dados coletados no território tribal.
– Contratos e transferência de tecnologia: Proteger acordos de cooperação para que tecnologia e dados não sejam transferidos sem autorização expressa.
– Litígios e medidas de reparação: Criar mecanismos legais internos e base para litígios em caso de violação de direitos, incluindo cláusulas de responsabilização para fornecedores externos.

A experiência da Cherokee Nation ilustra a defesa de uma postura ativa na formulação de regras próprias de governança de IA, evitando soluções padronizadas que podem ser prejudiciais ao patrimônio cultural e à autodeterminação (SCHMELZER, 2025).

Casos de uso prioritários e riscos associados

Governos tribais podem adotar IA em áreas como saúde pública, educação, serviços sociais, segurança e administração. Cada aplicação traz benefícios e riscos:

– Saúde: IA pode melhorar diagnósticos e alocação de recursos, mas modelos treinados sem contexto cultural podem produzir vieses e diagnósticos incorretos. A proteção de dados de saúde é sensível e exige consentimento informado coletivo.
– Educação: Ferramentas adaptativas podem apoiar preservação de língua e cultura, desde que os conteúdos e algoritmos representem a diversidade cultural e não imponham narrativas externas.
– Serviços sociais: Algoritmos de priorização devem ser auditáveis para evitar discriminação. Transparência é essencial para manter confiança.
– Segurança pública: Uso de IA em vigilância ou análise comportamental exige limites claros para evitar violações de privacidade e abusos de poder.

Riscos comuns incluem vieses algorítmicos, perda de controle sobre dados, externalização de decisões críticas e erosão de práticas culturais. Políticas de governança robustas e auditorias regulares são ferramentas para mitigar esses riscos.

Modelos práticos e recomendações estratégicas

Para implementar uma governança de IA alinhada à soberania tribal, recomendo um conjunto de ações práticas:

1. Diagnóstico inicial participativo: Conduzir avaliações de impacto que envolvam lideranças, conselhos culturais e membros da comunidade para mapear prioridades e riscos.
2. Criação de um código de ética tribal para IA: Documento que defina princípios, direitos coletivos e procedimentos de conformidade.
3. Inventário de dados e classificação: Catalogar tipos de dados, níveis de sensibilidade e regras de acesso.
4. Políticas de aquisição e contratação: Incluir cláusulas de soberania de dados, transferência tecnológica e auditoria em contratos com fornecedores.
5. Desenvolvimento de capacidades internas: Formação contínua de equipes técnicas e jurídicas para gerir infraestrutura de IA e negociar acordos.
6. Estruturas de governança interdisciplinares: Conselhos que combinem saberes tradicionais, especialistas técnicos e assessoria jurídica.
7. Monitoramento e auditoria contínuos: Implementar métricas de desempenho cultural e jurídico, bem como auditorias externas independentes.
8. Rede de colaboração entre nações soberanas: Compartilhar experiências, modelos de cláusulas contratuais e ferramentas de avaliação de impacto cultural.

Essas recomendações visam combinar soberania normativa com eficácia técnica, garantindo que a adoção de IA promova benefícios sem comprometer direitos coletivos.

Implicações para políticas públicas e atores externos

A postura da Cherokee Nation fornece lições importantes para governos federais, legisladores e fornecedores de tecnologia:

– Políticas federais devem reconhecer e respeitar a soberania tribal, oferecendo espaço para modelos regulatórios distintos.
– Fornecedores de tecnologia precisam adaptar contratos e práticas de governança para atender exigências tribais, incluindo respeito por dados coletivos e por controles contratuais.
– Financiamentos e programas federais de inovação devem contemplar recursos para construção de capacidade técnica dentro das nações tribais.
– A academia e a sociedade civil podem apoiar com pesquisas que investiguem impactos culturais e desenvolvam frameworks de avaliação específicos para contextos indígenas.

Reconhecer a diversidade de necessidades e valores de povos soberanos é essencial para criar políticas públicas eficientes e justas.

Conclusão

A experiência compartilhada pela Cherokee Nation e documentada por Ron Schmelzer na Forbes demonstra que a governança de IA pode e deve ser articulada a partir de princípios de soberania. A visão de Paula Starr — de que o ROI não é puramente financeiro, mas cultural, legal e existencial — desafia abordagens convencionais e oferece um quadro estratégico para nações soberanas e outras instituições que buscam uma governança de IA responsável (STARR apud SCHMELZER, 2025; SCHMELZER, 2025).

Implementar uma governança de IA que respeite a soberania tribal exige instrumentos jurídicos próprios, políticas de dados coletivos, capacitação técnica e processos participativos. A adoção dessas medidas não apenas protege direitos e culturas, mas também potencializa a qualidade das soluções tecnológicas ao incorporarem conhecimento local e critérios éticos robustos.

Referências e fonte da reportagem adotada:
Forbes. Reportagem de Ron Schmelzer, Contributor. Ron Schmelzer, Contributor. https://www.forbes.com/sites/ronschmelzer/. Cherokee Nation Shows How AI Governance Can Be Sovereign. 2025-08-17T15:28:38Z. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/ronschmelzer/2025/08/17/cherokee-nation-shows-how-ai-governance-can-be-sovereign/. Acesso em: 2025-08-17T15:28:38Z.

Citações no texto conforme normas ABNT:
– SCHMELZER, Ron. Cherokee Nation Shows How AI Governance Can Be Sovereign. Forbes, 17 ago. 2025. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/ronschmelzer/2025/08/17/cherokee-nation-shows-how-ai-governance-can-be-sovereign/. Acesso em: 17 ago. 2025.
– STARR, Paula. Declaração sobre retorno sobre investimento cultural e soberania da Cherokee Nation (apud SCHMELZER, 2025).
Fonte: Forbes. Reportagem de Ron Schmelzer, Contributor, Ron Schmelzer, Contributor. https://www.forbes.com/sites/ronschmelzer/. Cherokee Nation Shows How AI Governance Can Be Sovereign. 2025-08-17T15:28:38Z. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/ronschmelzer/2025/08/17/cherokee-nation-shows-how-ai-governance-can-be-sovereign/. Acesso em: 2025-08-17T15:28:38Z.

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